Floresta nativa, regeneração e árvores urbanas 🌳
Uma conversa sobre árvores e floresta em Portugal
Outubro
A propósito de uma conversa informal que escutei do Nuno Gomes Lopes, o primeiro convidado da primeira loja pop-up da Mariamélia, em 2018, sobre o tema da floresta nacional e da questão, muito presente nessa altura, dos incêndios e do papel dos eucaliptos — quis voltar ao tema do ambiente e muito particularmente das árvores e da floresta portuguesa. Não baseando-me em estatísticas ou notícias — esse é um trabalho de investigação que cabe aos especialistas — mas trazendo a opinião de alguém que conhece o território, as espécies nativas (e as outras), e que me poderia iluminar na procura de uma ideia de verdade sobre o ambiente em Portugal: é tudo mau? Ou, por outro lado, temos motivos para ter esperança numa floresta regenerada, depois de anos de incêndios devastadores?
Em 2018, o Nuno foi um convidado informal de uma primeira conversa a cinco, que repetimos depois numa sessão com mais público no final da presença da Mariamélia no espaço da Velo Culture, no Porto. Arquieteto de formação e especialista informal em floresta, o Nuno acompanha projetos de reflorestação e tem um conhecimento no terreno da realidade de proprietários rurais, e uma curiosidade nata sobre natureza e o território. Nessa conversa, cuja transcrição podem ler aqui, apresentou uma série de dados baseados numa pesquisa pessoal de estatísticas sobre o território, que dão conta não só da sua composição, mas de como ele é (ou não) gerido. O abandono parece ser a palavra-chave. Não só o abandono da floresta, mas das próprias espécies invasoras, que crescem em sistema de abandono, em terrenos “sem dono”, onde a biodiversidade é diminuta. Estas conversas que me elucidaram muito em relação à celebre questão dos eucaliptos e a sua “culpabilidade” nos incêndios e na degradação da paisagem, foram decisivas para perceber as questões ambientais com base em factos em vez de suposições, que me parece ser uma tendência do discurso vigente sobre o ambiente em Portugal.
Em geral, parece-me haver muita contra-informação acerca da floresta em Portugal, que lança não-questões para o debate público, que, por sua vez, acabam por servir de distração sobre a complexidade dos problemas. É verdade que os eucaliptos e demais espécies invasoras não são boas notícias, mas não podem ser os bodes expiatórios de tudo o que está errado no território. A segunda palavra-chave terá de ser cuidado, por oposição ao abandono. E se este léxico nos remete para relações humanas, talvez a nossa relação com a natureza, o território, os espaços que habitamos e construímos, tenha que ser essa: cuidado por oposição a abandono. Cuidar é uma tarefa que pressupõe um propósito: proteger para podermos usufruir das suas vantagens, das suas matérias e dos benefícios para os ecossistemas que habitamos.
Porque queria contextualizar esta transcrição e perceber se toda esta informação permanecia actual, quis voltar a conversar com o Nuno sobre o mesmo tema, acrescentando as minhas preocupações de habitante de uma cidade: e as árvores e os jardins da cidade, como estão a ser tratados? E a floresta, como está? E surpreendentemente, o Nuno trouxe boas notícias: a regeneração da floresta nativa, que atrai espécies em vias de extinção como o lobo e o urso, mas também o aumento das galerias ripícolas — zonas de tampão entre a floresta e zonas ribeirinhas, com grande biodiversidade. Esta regeneração, que ocorre em apenas algumas zonas do país, dá-se não só pelo abandono da agricultura mas pelo abandono da própria floresta, que sem ação humana se regenera naturalmente. Infelizmente, muitas áreas do país não têm este poder de regeneração, como podemos observar nas “serras nuas” da zona do centro interior. E na cidade, apesar dos processos de gentrificação trazerem uma compulsão de construção, há novas ferramentas legais contra o abate e poda abusiva de árvores como o Regulamento de Árvores Urbanas.
Acredito que as coisas só ganham densidade quando conversamos sobre elas, e por isso achei importante transcrever esta conversa na íntegra, na impossibilidade de assegurar (ainda) um formato áudio de qualidade. Leiam na diagonal, ou procurem neste artigo as questões que vos interessam. Enviem aos amigos e à família, e discutam sobre o tema. O ambientalismo não pode continuar a ser tido como uma causa, mas uma missão constante de todes. A sustentabilidade ambiental não é uma opção, é a única opção para que possamos continuar a habitar o planeta, sem a ameaça de doenças contagiosas e deslocações em massa — fenómenos que já nos são tão próximos. E a única forma de chegar a essa missão interpessoal é olharmos para o nosso canteiro, para a nossa rua, para o nosso bairro ou o nosso terreno. Os princípios políticos da ecologia deverão ser tomados para todas as áreas do conhecimento e ação humanas porque partem dos princípios de equilíbrio e ação consertada em rede. “Pensa globalmente, age localmente” nunca fez tanto sentido. Como remata o Nuno na nossa conversa: “Se tens um espaço público tens de cuidar do espaço público, seja da segurança de um passeio, de uma guarda para não cair uma ribanceira, qualquer coisa, isso é cuidar do espaço público. Cuidar das árvores é cuidar do espaço público.”
Filipa