Fevereiro
“A forma como tomei conhecimento destes artesãos e das suas oficinas foi quase acidental em todos os casos. Por um ou outro interesse pessoal, num processo movido pela curiosidade sobre o saber fazer e sobre a produção de objetos diferenciados, e de forma muito intuitiva cruzei-me ou descobri estes “fazedores”. Desde os candeeiros, que descobri quando procurava um produtor de loiça esmaltada, à oficina de madeiras que foi recomendada por um amigo de uma amiga, e onde rapidamente comecei o desenvolvimento de várias peças, até à Escovaria mais famosa da cidade que já conhecia há alguns anos.
A Mariamélia foi-se desenvolvendo nessa procura intuitiva por objetos que pareciam não ter relação aparente entre si, mas que representam o melhor do saber fazer nacional, numa curadoria de peças para a casa contemporânea — que nos faça relacionar com objetos realmente honestos e próximos (tanto geograficamente como emocionalmente) e que são realmente sustentáveis. Estes são objetos que não encaixam no conceito tradicional de artesanato. Os seus responsáveis provavelmente também não correspondem à imagem do artesão português que foi promovida nas últimas décadas: estão baseados numa grande cidade ou nas suas imediações, têm menos de 60 anos, e dominam processos científicos, específicos da experiência e da prática dos seus ofícios.”
Esta introdução à exposição que inaugurei há mais de um ano atrás, quando ainda não contemplávamos máscaras ou distâncias sociais, é um bom resumo da génese da Mariamélia. Continuo a acreditar que é pela desconstrução de conceitos populares como “artesanato”, “produção nacional” e “sustentabilidade” que podemos chegar a outros caminhos, que assegurem uma verdadeira responsabilidade social e ambiental.
Talvez tivesse sido mais fácil fazer uma marca com alguns truques de marketing e uma palavras-chave sonantes, mas a verdade é que não estou nisto "pelo negócio”. É um conflito intenso em mim. Por um lado, dedico quase 100% do meu tempo a este projeto, para que ele possa vingar tanto do ponto de vista teórico, no plano das ideias, como do ponto de vista prático, como um pequeno negócio que suporte economicamente a investigação que quero fazer através dele. Infelizmente, confiar nas redes sociais para fazer parte deste trabalho comercial tem sido um engodo, e a verdade é que estou a procurar alternativas.
Tenho zero vontade e intenções de fazer dos magnatas das empresas mais poderosas do planeta ainda mais milionários à custa de um projeto do qual não tiro ainda um salário para mim própria. É obsceno. É obsceno o tempo que estas redes nos sugam e a energia criativa que nos impõe, em troca de uma possível base de potenciais clientes. Sinto-me pouco à vontade para carregar conteúdos como elas me exigem para não perder o “momento”, e irrito-me com os truques dos algoritmos. Este ano quero encontrar definitivamente formatos alternativos a estas plataformas sangue-sugas. Não vou deixar de as usar, mas vou fazê-lo com um ritmo e um método que não me exija uma gestão diária, e principalmente, que não faça depender o meu negócio delas.
Como plataforma on-line, é difícil escapar ao poder que as redes têm de nos construir um público, e uma exposição quase garantida, mas o preço a pagar é uma flutuação que nenhum projeto aguenta. Isso é uma verdadeira chantagem feita através dos algoritmos para que paguemos essa exposição em anúncios pagos ou em interações. E é um jogo que não estou disposta a jogar. Prefiro negociar com donos de lojas, plataformas online e outras iniciativas com propósitos semelhantes aos meus.
Se conhecem parceiros naturais da Mariamélia, ou têm ideias sobre contornar estes dilemas, partilhemo-nos comigo, em resposta a este email. Qualquer sugestão é muito bem-vinda!
Esta newsletter será finalmente retomada este ano, quinzenalmente, e os conteúdos do blog serão também, aos poucos, atualizados.
No seguimento do tema deste email, e a bem da transparência, quero informar que a loja da Mariamélia no Etsy, foi retomada ao fim de três anos em stand-by. É uma forma de captar clientes de outras geografias e construir uma clientela internacional, que com os meios que possuo, é difícil de fazer de outra forma. Recomendem aos vosso amigos estrangeiros, que estão "de castigo" sem poder pisar terras lusas há tanto tempo e gostariam de conhecer aquilo que (de melhor) se faz por cá.
Para os clientes em Portugal recomendo comprarem pela loja online, ou diretamente por email, se tiverem dúvidas ou preferirem outros métodos de pagamento que não PayPal ou cartão de crédito. Estou sempre disponível para tirar dúvidas ou iniciar grandes debates, por email ou telefone, primordialmente, ou por video-chamada, se quiserem saber mais sobre aquilo que faço.
Fiquem bem!
Filipa
Todas as imagens desta newsletter são da autoria da Matilde Viegas e foram feitas durante o verão de 2019.